quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

A REVOLTA DAS VACAS

Lá no começo dos anos 80, a década satirizada como a Charrete que perdeu o condutor, pelo maluco beleza Raul Seixas, mais precisamente em 1981, ano em que o Brasil perdeu a final do Mundialito do Uruguai para os donos da casa, com gol decisivo do valente Victorino, e também um ano antes da seleção brasileira do inesquecível mestre Telê Santana ser eliminada da Copa da Espanha pela vigorosa seleção italiana, com três gols do meu xará Paolo Rossi, fato que ficou conhecido como "A Tragédia do Sarriá" em Barcelona. A nível municipal ainda estávamos em luto, devido ao recente falecimento do fundador de Tupã, o senhor Luiz Souza Leão, também a inauguração do primeiro prédio da cidade, o edifício Cinquentenário.

No frigir desses acontecimentos do agitado começar de uma nova década, cá estava eu desfrutando dos encantos da adolescência, e sem me preocupar com nada, lá pelos lado do velho oeste do Paraná, pertinho de terras paraguaias, num dos sítios de minha saudosa tia Margarida, num bairro chamado Placa Tupi, no município de Iporã. E diga-se de passagem, minha tia não era fã de jogo de bola.

Como o gene do futebol sempre esteve no meu sangue, desde de pequeno, e lá no sitio tinha alguns pastos que davam um belo campinho, não foi difícil eu e um primo que morava por lá convencermos a nossa tia a deixar a gente improvisar um. Mesmo não gostando de futebol, nessa hora falou mais alto o senso de tiazona dela.
Inicialmente fizemos apenas uma trave, na qual eu e o primo brincávamos de campeonato, uma brincadeira peculiar da época em que um ficava de goleiro e o outro dava três chutes em cobrança de faltas, depois invertia se invertia o processo, o que marcasse mais gol ganhava a disputa. Era meio monótono, mas era o que tínhamos para o momento, e para piorar, meu primo ganhava sempre, pois o cara era uma "vareta de cutucar estrelas", e eu era bem pequeno, então ele chutava as bolas sempre altas e eu não conseguia defender.

Depois de uns dias apareceram mais alguns moleques que moravam num sítio vizinho para brincar com a gente. Após de alguns treinos mais animados, resolvemos formar um timinho para enfrenar a molecada de um outro bairro vizinho, começava ali uma rivalidade.

Fomos jogar no campo dos caras e o jogo acabou empatado, porém meu primo propôs um jogou de volta em nosso campo, como manda a tradição da várzea.
Só que para o segundo jogo acontecer, precisávamos terminar o nosso campinho. Com a devida autorização da tia fizemos a outra trave que faltava e demarcamos mais ou menos o perímetro das quatro linhas.

Enquanto estávamos fazendo a trave, notei que algumas vacas nelore que meu tio tinha colocado naquele pasto estavam de olho na gente.
Logo eu primo notou a minha apreensão com a marcação das vacas, e depois de um longo sorriso disse:
 - "Relaxa, elas são mansas, estão assustadas com sua feiura". 

Até que enfim chegou o grande dia do jogo de volta, e as vacas continuavam lá, firmes e fortes como plateia, e eu ainda com medo do olhar delas. Começou o jogo, e eu com a adrenalina da disputa da partida acabei esquecendo das ruminantes.
Já quase na metade do segundo tempo, com o jogo pegando fogo, escutei um olha a vaca.

Quando levantei olhos e vi aquele monte de vacas vindo para cima da gente, pensei, caramba aconteceu a tragédia. Assim como o resto da molecada, sai em desabalada carreira, pulei a cerca que nem lembro como consegui.
Já lá fora do outro lado da cerca e seguro, cobrei do meu primo a mansidão dos bovinos de que ele tinha falado. De novo, após uma gargalhada, ele disse:

 - "Vai ver é porque estávamos perdendo, e elas ficaram incomodadas".
Devido ao incidente ninguém mais teve a coragem de voltar a jogar, ficamos todos assustados e com medo, até meu primo que era metido a valentão miou nessa hora.

Mais tarde, meu tio com toda a calma que lhe era peculiar, explicou que as vacas invadiram o campo devido a algazarra que estávamos fazendo durante o jogo, e também por termos invadido seu espaço natural, deixando-as nervosas e estressadas.

Infelizmente ficou tudo por isso mesmo, no dia seguinte eu já voltaria a Tupã, as aulas escolares iriam ser retomadas com o fim das férias escolares.
Com a minha partida a molecada do sítio desanimou, pois eu que agitava o ambiente, e outro jogo jamais foi remarcado. Aliás, nunca mais ninguém utilizou o campinho para bater uma bolinha.

Texto:
Paulo Cesar - PC