terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

A SESSÃO É CINCO E DÉIS, CINCO E DÉIS CRUZEIROS

Cine Riviera
Morar na zona rural antigamente e não ter acesso à energia elétrica e com isso não poder ver televisão ou ouvir rádio com frequência, não era motivo suficiente para tornar nossas vidas uma monotonia. Muito pelo contrário, eram bem agitadas, principalmente durante o dia.
Pela manhã tínhamos o compromisso sagrado e certeiro com a escolinha rural, e na parte da tarde ficávamos livres para inventarmos um monte de brincadeiras, depois do futebol é claro.
À noite não tinha jeito, éramos pequenos e tínhamos medo de sair para brincar no quintal, pois no sitio é tudo escuro e além disso vivíamos aterrorizados com as famosas lendas rurais que nossos pais e avós enfiavam a ferro e fogo em nossas mentes, sem contar quando falavam do Lobisomem, Mula Sem Cabeça e outras bobagens da época.

Na falta da televisão a diversão predileta era o futebol, e em qual lugar relativamente plano fazíamos rapidamente um campinho e o pau quebrava. Outra diversão que também gostávamos era brincar de Tarzan, personagem muito popular nos longínquos anos 70, aliás época em que ocorreu essa passagem.
Na região em que morávamos existiam pequenos bosques, os quais nós chamávamos charmosamente de matas, e os transformávamos em autênticos cenários, dignos de botarem inveja aos diretores dos filmes do Rei das Selvas. Outra coisa importante, apesar de toda minha magreza na época, o papel de Tarzan era sempre meu, merecido, afinal era sempre eu quem inventava e dirigia as brincadeiras.
Essa ideia de montarmos nossos cenários vinha dos inúmeros filmes do Tarzan que assistíamos nas matinês de domingo à tarde no Cine Riviera.
Naquela época o majestoso Riviera exibia pelo menos uma vez por mês um filme do Tarzan.
Como no sitio não tínhamos como saber, pois informação era difícil, e vir à cidade era mais difícil, pois vínhamos sempre no pé dois. Seguindo sempre então por essa lógica, de cada quatro domingos um filme do amigo da Chita. Outra coisa importante, o preço da entrada era sempre o mesmo, nunca mudava, então a grana ia contada, para entrada e para um palito de sorvete de fruta.

Depois do almoço, nos domingos em que nossa conta dizia que seria exibida mais uma aventura do nosso herói, a gente deitada o cabelo para a cidade, afim de chegar a tempo para a matine das quatorze horas. Depois de uma longa caminhada num sol quase sempre escaldante, chegávamos ao antigo Mercadão Municipal da Tabajaras, parar antes no Mercadão era de lei, pois uma de nossas diversões era ver os cartazes dos filmes que ficavam expostos, caprichosamente pintados pelo EMÍLIO PINTOR, torcedor fanático do Tupã FC e pai de um grande companheiro de futebol, o CARLOS TECLADISTA, que seguiu seu pai na vertente da pintura em letras.
Para nossa surpresa não ia passar o Tarzan, mas sim um lançamento do filme dos Trapalhões, sem problemas, a gente também gostava deles.

Antes da bilheteira abrir, sempre passava um senhor de meia idade, forte e com cara de poucos amigos, uma espécie de segurança do local, que organizava a fila para não virar bagunça. Quando ele não aparecida a fila virava uma zona total, às vezes a molecada saia até no braço.
Naquele domingo ele estava bem mais alinhado do que nos anteriores, ai eu pensei comigo, tem algo errado. E não é que tinha mesmo!
O senhor que naquele dia estava até de gravata, chegou de frente a fila e disse em tom todo educado, o que não era normal:
- Atenção, hoje devido ao filme ser dos Trapalhões o preço é cinco e déis, cinco cruzeiros a meia entrada e déis a inteira.
Sempre que tinha filme em lançamento os preços aumentavam, e aquele valor estava fora da nossa realidade, foi um balde de água gelada em nossos planos, pois sempre levávamos o valor justo para a entrada. Saímos da fila iguais àqueles cachorrinhos que acabaram de levar uma dura do seu dono, tipo com o rabo entre as pernas.

Como não ia adiantar ficar por ali marcando toca, descemos de volta ao Mercadão e torramos toda a grana em sorvetes na antiga Cibran Creme. Depois pegamos o longo caminho de volta para casa.
Já na saída da cidade, na vila Marabá, encontramos um colega que estava a procura de jogadores para completar o treino, que ia ter num campinho que ficava dentro do terreno do antigo Laticínio União.
Sempre passava por ali, mas nunca tinha notado tal campinho. Não deu outra, apesar dos caras serem rivais, aquele dia era em favor de uma causa nobre, não perder o dia.

Texto:
Paulo Cesar - PC