segunda-feira, 10 de abril de 2023

O CAMPINHO DA RUA JOAQUIM ABARCA

Acredito que essa história tenha acontecido no ano de 1981, mas não tenho muita certeza, porém vamos ficar com uma margem de erro de um ano para cima, e de um ano para baixo, só sei que foi ali por perto da inauguração do Edifício Cinquentenário, o primeiro arranha-céu aqui da aldeia.
Nessa época na confluência das ruas Joaquim Abarca e Tupinambás aqui na minha querida Tupã, existiam dois lotes baldios com muito mato, nenhuma novidade, com alguns formigueiros, e bem irregular, mas também com uns pedaços de grama bem interessantes para a pratica do futebol. Nessa ocasião estamos sem um campinho de futebol fixo para brincar, então alguns amigos que moravam no entorno dessa região tiveram a brilhante ideia de limparmos o terreno e colocarmos traves, apesar das irregularidades dava para a bola correr bem.
Foi bem cansativo fazer a limpeza, pois além de muita sujeira para retirar do local, ainda tinha os amigos da onça, aqueles que ao invés de trabalhar, ficavam só nos palpites. Uns verdadeiros morcegões que iam direto na jugular, chupando o sangue dos coleguinhas.

Depois de muito esforço finalmente nosso campinho ficou pronto, e ai você sabe né, brota gente de tudo quanto é lado para bater uma bolinha, nem precisou ir atrás. Naquele tempo a molecada ouvia o barulho da bola a quilômetros de distância.
Fizemos muitos treinos legais por ali, muitas brigas também, discussões e outras coisas menos importantes, que não merecem muito destaque.
Dentre todos esses fatos que aconteceram um vale a pena comentar, pois naquele tempo na região do campinho só havia casas até a rua Joaquim Abarca, depois só existia o famoso Buracão da Vila Abarca, e a ai só ia voltar a ter casas novamente lá na rua Cezário Nogueira Cabral, já na baixada da Vila Abarca, nas imediações do extinto Clube Marajoara.
Como nesse tempo o buracão era literalmente o responsável em drenar toda a enxurrada resultante das chuvas, as bocas de lobo ou bueiros eram bem tímidos naquela região, quase não existiam. Era no sistema uma aqui, outra acolá.
Porém, bem pertinho do nosso campinho havia uma, para nosso desespero, e com isso nós tomávamos todo cuidado para que a bola não caísse nela.

Mas como nessa vida todo cuidado é pouco, um dia aconteceu. Um moleque que estava jogando pela primeira vez conosco conseguiu embirocar a bola bem na boca de lobo, e olha que ela foi retinha, como se fosse um imã que a estivesse atraindo, não deu tempo nem de fazer nada. Como na várzea a regra é clara e diz taxativamente, "quem chutar fora, busca", o pessoal começou a cobrar o infeliz calouro de que fosse buscar a bola para o jogo prosseguir. O pobre do garoto todo assustado começou a chorar em desespero, e dizer que tinha medo de entrar na tubulação, mas a molecada não queria nem saber. Com dó do moleque e também louco para o jogo prosseguir disse que iria buscar. Não era muito minha praia na época fazer esse tipo de caridade, ainda num jogo de futebol, mas se ninguém fosse buscar a bola, não ia ter mais jogo, pois só havia aquela bola à disposição.
Com a adrenalina alta e o instinto de moleque arteiro desci pela tubulação abaixo, mais ou menos uns cem metros. Depois de uns cinco minutos achei a majestade repousando numa poça d'água, onde a tubulação em que eu desci fazia conexão com outra tubulação, uma galeria no caso, já nas imediações rua Tocantins, uma rua abaixo campinho. Nessa galeria que tinha formato de uma caixa, havia uma escadinha e um alçapão de ferro, que eram utilizados pelo pessoal da manutenção para acessar, no caso de precisasse fazer algum serviço.

Então ai ficou fácil, pois foi só subir os cinco lances da escada e afastar o alçapão, que eu já estava na rua. Não via a hora de devolver a bola para o jogo recomeçar.
Quando cheguei de volta ao campo ainda tive que decidir se deixava, ou não o calouro que tinha chutado a bola no bueiro jogar. Pois como ele não tinha ido buscar, segundo a lei da várzea, eu que fui buscar tinha o direito de decidir. Eu sempre fui um ferrenho defensor da lei soberana da várzea, porém naquele dia abri uma exceção, e o jogo seguiu normalmente.

Texto: Paulo Cesar – PC
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